O Diário Secreto de Lana D'yer Elrien
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O Diário Secreto de Lana D'yer Elrien
O Diário Secreto
Lana D’yer Elrien
Além de seu grimório, Lana também mantém seu diário secreto. Um caderno negro de capa negra como a noite, com folhas sem pautas e amareladas, dando a aparência de antigo. Ela mantém esse diário escondido, como um de seus grandes segredos. Neles estão expostos seus pensamentos e sentimentos mais íntimos e suas lembranças...
O mundo desde que começou já mostrou uma face cruel para garota e untando as peças quem sabe um dia ela não encontrará a verdade???
O mundo desde que começou já mostrou uma face cruel para garota e untando as peças quem sabe um dia ela não encontrará a verdade???
Creado por Frozen •
Última edição por Lana D'yer Elrien em 08.01.15 18:09, editado 2 vez(es)
Lana D'yer Elrien- Mensagens : 98
Ficha X
Level : 1
Grupos de Poder: Alteração de Realidade
Dinheiro: $400
Re: O Diário Secreto de Lana D'yer Elrien
O Diário Secreto
Páginas 17 à 21
Eu ainda enxergava com a visão de uma criança. Tinha meus cinco anos, mas aquele dia ficou detalhadamente guardado em minha memória... No ano de 2004 o verão em L.A havia chegado cedo e implacável. As temperaturas passavam dos 30º e para mim, a pequena que não suportava o calor, eu estava experimentando uma amostra do inferno.
Da casa grande, localizada em um dos bairros classe média-alta da cidade, eu observava as brincadeiras das crianças na casa vizinha. Sem carregarem um fardo amaldiçoado elas se divertiam em uma piscina imensa, dando seus saltos e mergulhos repletos de sorrisos. Eu as invejava profundamente. Aqueles eram alguns de meus antigos amigos que até dias atrás me convidavam para brincar com eles, mas após uma crise que eu tivera por causa de uma das criaturas das sombras, todos se afastaram com medo. Falar “sozinha” podia parecer divertido no começo, mas quando alguma entidade te avisa de um acidente grave e logo no dia seguinte ele acontece e o pior, tirando a vida de um dos pais de seus amigos, não há mais diversão, apenas olhares esquisitos, muito medo , desconfiança e distanciamento. Entre aquelas pessoas eu nunca mais fui uma garota vista como normal.
Lamentar o passado não resolveria, mas como uma criança que ainda mantinha toda inocência e sensibilidade eu chorava ao lembrar tudo o que tinha perdido. Observando a alegria daqueles pirralhos pude perceber o quanto esqueceram rápido de mim. Eu nunca faria falta, isso machucava bastante. Enxugando minhas lágrimas, decidi parar de me torturar e focar em outro problema que era bem mais fácil de resolver. Estava suando, pegajosa, precisava de um banho, de brincar na banheira, com patinhos e brinquedos de borracha e tudo mais o que pudesse encontrar. Corri para o banheiro daquele andar.
Já no cômodo escolhi a água fria, ela me libertaria daquele calor infernal. As lamentações foram esquecidas. Meus sentimentos eram bem volúveis naquela época e a tristeza não permanecia por muito tempo, ainda mais quando eu tinha a possibilidade de fazer uma grande bagunça... E foi isso que eu fiz, uma bagunça imensa. Água foi espalhada para todo o lado, assim como alguns brinquedos e as roupas que acabara de retirar. Quando terminei, apenas vesti um vestido florido, algo que eu odiava, mas que era obrigada a usar.
Descalça e de maneira marota segui aos saltos e risadinhas até meu quarto, onde além do ar condicionado também liguei o ventilador, fechando as cortinas e me pondo diante ao espelho que ficava de frente à minha cama, eu tinha outros tipos de amigos para conversar, nunca estava sozinha. À partir de então uma fina penumbra invadiu o local, dominando-o, escurecendo-o rapidamente. Nem o poderoso astro rei do lado de fora conseguia se impor sobre aquele poder, ele sempre perdia.
Rapidamente passei a ouvir sussurros, os espíritos das sombras estavam discretos naquele dia, pareciam guardar algum segredo, pressentir algum perigo e conversar com cautela entre eles. Daquelas criaturas eu nunca tive medo. Para minha sorte e segurança naquela casa eu encontrei as sombras mais amigas que já me deparei em toda vida e elas mostraram sua fidelidade nos próximos segundos que se passaram... Vultos negros e sem forma se movimentavam ao meu redor e pelo reflexo do espelho, envolvendo-me, mas ainda não se comunicavam.
- Por que vocês nunca mostram seus rostos? – Questionei, tentando começar uma conversa, desde pequena fui curiosa. A resposta não veio, apenas ouvi os murmuros aumentarem e passos começaram a vir do corredor.
O meu pai adotivo, aquele que faço questão de não lembrar o nome, havia chegado da missa de domingo. Tanto ele quanto a minha mãe tornaram-se religiosos fervorosos desde que meus dons aumentaram e que as vozes passaram a ser mais frequentes, sem me darem a chance de ignorá-las. Elas não eram de amigos imaginários, não era brincadeira de criança. Pertenciam a uma força que conhecia passado e futuro, uma força que revelou a mim mesma que eu não era filha daquele casal, que revelou os negócios sujos que meu “pai” fazia, que por muitas vezes avisou-me sobre morte e perigos, como quando minha “avó” foi atropelada em um supermercado e morreu no mesmo instante. Antes de qualquer um saber eu já estava avisando meus pais e a confirmação só veio horas depois... Por isso e por outras coisas mais eles se convenceram de que eu não era louca, para eles eu era uma aberração das trevas e eles deviam lutar contra isso.
- Perigo... – murmurou uma voz da escuridão, enquanto o restante das criaturas se aglomeravam muito nervosas atrás de mim. Logo depois veio um grito enraivecido e de dor, uma voz masculina que eu reconhecia...
- Maldita! Ela é filha do demônio, você ouviu o que o pastor disse. – A voz feminina falou alto, assustando-me, fazendo com que eu buscasse abrigo debaixo dos lençóis enquanto uma cacofonia de vozes ordenava que eu fugisse, mas eu estava com medo e permaneci no mesmo lugar.
- Fuja, fuja! Eles estão vindo. – A voz que se sobressaia diante a todas gritou, mas a porta de meu quarto já estava sendo aberta de maneira abrupta e um homem ferido acendeu a luz, permitindo que eu visse o pequeno corte em sua testa, ele sangrava.
- Estava querendo me matar, não é? – Perguntou ele estupidamente.
- Tapado! Levou um tombo e quer culpa a menina. – Uma voz doce sussurrou.
Diante daquela acusação eu apenas me encolhi ainda mais entre os lençóis, parecendo pressentir o pior. O homem se aproximava furioso, com os olhos tomados pela fúria.
- Louco, louco! Ele está louco! – Cantarolava uma das vozes enquanto a distância entre mim e ele diminuía.
Bastaram poucos passos e as mãos pesadas daquele homem já estavam sobre mim, pressionando meus ombros, arrancando-me da cama, machucando-me. Eu implorava para que parasse, estava apavorada. Ninguém mais estava calado. Todos os gritos mesclaram-se, impedindo que eu entendesse qualquer palavra. Senti o peso da mão daquele homem quando ela acertou em cheio meu rosto, levando-me ao chão.
- Mate ele, mate ele!!! – Ordenava uma voz rente ao meu ouvido enquanto eu tentava levantar meu corpo que tremia intensamente. Eu ainda não compreendia o que estava acontecendo. Como tudo havia chegado aquele ponto?
O gosto de meu próprio sangue preenchia minha boca e antes mesmo de me por de pé, senti meu copo sendo arrastado. Minhas unhas arranhavam o chão, eu tentava me segurar, mas ele era muito mais forte. A voz irritante da mulher que perante a sociedade se dizia minha mãe chamava-me dos piores nomes.
- Defenda-se, você pode! – A voz das sombras me encorajava.
Senti uma energia desconhecida percorrer todo meu corpo à medida que eu sentia as dores se intensificando, meu sangue parecia borbulhar em minhas veias. Eu queria parar aquela fera, arrancar seus olhos, dilacerar suas mãos, explodir sua cabeça. Não era justo o que ele fazia, não era digno, eu não tinha feito nada. Um grito meu explodiu assustando o casal, fazendo com ele me soltasse.
Enquanto tentava recuperar minhas forças, ouvia as vozes e enxergava os olhos furiosos e insanos daquele casal enlouquecido. Sem ninguém esperar uma névoa escura pareceu preencher o corredor para onde eu havia sido arrastada. O dia não parecia tão iluminado e quente a partir dali. O homem se afastou confuso e apavorado, dando-me mais chances para tentar me levantar. Todos se calaram, alimentando um silêncio sepulcral que permitiu minha concentração ser movida pelo ódio.
De pé, prendi meu olhar na sombra daquele ser miserável e covarde que já me ameaçava mais uma vez, voltando a se aproximar. A partir de então algo inexplicável começou. Sombras humanoides passaram a cercá-lo e berravam coisas que só eu e ele podíamos ouvir. Os gritos apavorados do desgraçado se mesclavam aquelas vozes. Ele se dizia paralisado, também podia ver as sombras que o encurralavam. Repentinamente cortes profundos começaram a surgir em seu rosto, rasgando também suas roupas, fazendo jorrar seu sangue asqueroso. Enquanto isso ele chorava de pavor e sofrimento, não parecia mais o “corajoso” capaz de espancar uma menininha. As sombras negras com garras enormes torturavam-no.
Eu não desviava meus olhos, queria ouvi-lo gritar, vê-lo sangrar e sofrer. As forças das sombras brincavam com sua dor e com a chanca de tortura-lo, eu as ouvia gargalhar, até sentir uma forte pancada na nuca. A escuridão veio, eu apaguei.
Da casa grande, localizada em um dos bairros classe média-alta da cidade, eu observava as brincadeiras das crianças na casa vizinha. Sem carregarem um fardo amaldiçoado elas se divertiam em uma piscina imensa, dando seus saltos e mergulhos repletos de sorrisos. Eu as invejava profundamente. Aqueles eram alguns de meus antigos amigos que até dias atrás me convidavam para brincar com eles, mas após uma crise que eu tivera por causa de uma das criaturas das sombras, todos se afastaram com medo. Falar “sozinha” podia parecer divertido no começo, mas quando alguma entidade te avisa de um acidente grave e logo no dia seguinte ele acontece e o pior, tirando a vida de um dos pais de seus amigos, não há mais diversão, apenas olhares esquisitos, muito medo , desconfiança e distanciamento. Entre aquelas pessoas eu nunca mais fui uma garota vista como normal.
Lamentar o passado não resolveria, mas como uma criança que ainda mantinha toda inocência e sensibilidade eu chorava ao lembrar tudo o que tinha perdido. Observando a alegria daqueles pirralhos pude perceber o quanto esqueceram rápido de mim. Eu nunca faria falta, isso machucava bastante. Enxugando minhas lágrimas, decidi parar de me torturar e focar em outro problema que era bem mais fácil de resolver. Estava suando, pegajosa, precisava de um banho, de brincar na banheira, com patinhos e brinquedos de borracha e tudo mais o que pudesse encontrar. Corri para o banheiro daquele andar.
Já no cômodo escolhi a água fria, ela me libertaria daquele calor infernal. As lamentações foram esquecidas. Meus sentimentos eram bem volúveis naquela época e a tristeza não permanecia por muito tempo, ainda mais quando eu tinha a possibilidade de fazer uma grande bagunça... E foi isso que eu fiz, uma bagunça imensa. Água foi espalhada para todo o lado, assim como alguns brinquedos e as roupas que acabara de retirar. Quando terminei, apenas vesti um vestido florido, algo que eu odiava, mas que era obrigada a usar.
Descalça e de maneira marota segui aos saltos e risadinhas até meu quarto, onde além do ar condicionado também liguei o ventilador, fechando as cortinas e me pondo diante ao espelho que ficava de frente à minha cama, eu tinha outros tipos de amigos para conversar, nunca estava sozinha. À partir de então uma fina penumbra invadiu o local, dominando-o, escurecendo-o rapidamente. Nem o poderoso astro rei do lado de fora conseguia se impor sobre aquele poder, ele sempre perdia.
Rapidamente passei a ouvir sussurros, os espíritos das sombras estavam discretos naquele dia, pareciam guardar algum segredo, pressentir algum perigo e conversar com cautela entre eles. Daquelas criaturas eu nunca tive medo. Para minha sorte e segurança naquela casa eu encontrei as sombras mais amigas que já me deparei em toda vida e elas mostraram sua fidelidade nos próximos segundos que se passaram... Vultos negros e sem forma se movimentavam ao meu redor e pelo reflexo do espelho, envolvendo-me, mas ainda não se comunicavam.
- Por que vocês nunca mostram seus rostos? – Questionei, tentando começar uma conversa, desde pequena fui curiosa. A resposta não veio, apenas ouvi os murmuros aumentarem e passos começaram a vir do corredor.
O meu pai adotivo, aquele que faço questão de não lembrar o nome, havia chegado da missa de domingo. Tanto ele quanto a minha mãe tornaram-se religiosos fervorosos desde que meus dons aumentaram e que as vozes passaram a ser mais frequentes, sem me darem a chance de ignorá-las. Elas não eram de amigos imaginários, não era brincadeira de criança. Pertenciam a uma força que conhecia passado e futuro, uma força que revelou a mim mesma que eu não era filha daquele casal, que revelou os negócios sujos que meu “pai” fazia, que por muitas vezes avisou-me sobre morte e perigos, como quando minha “avó” foi atropelada em um supermercado e morreu no mesmo instante. Antes de qualquer um saber eu já estava avisando meus pais e a confirmação só veio horas depois... Por isso e por outras coisas mais eles se convenceram de que eu não era louca, para eles eu era uma aberração das trevas e eles deviam lutar contra isso.
- Perigo... – murmurou uma voz da escuridão, enquanto o restante das criaturas se aglomeravam muito nervosas atrás de mim. Logo depois veio um grito enraivecido e de dor, uma voz masculina que eu reconhecia...
- Maldita! Ela é filha do demônio, você ouviu o que o pastor disse. – A voz feminina falou alto, assustando-me, fazendo com que eu buscasse abrigo debaixo dos lençóis enquanto uma cacofonia de vozes ordenava que eu fugisse, mas eu estava com medo e permaneci no mesmo lugar.
- Fuja, fuja! Eles estão vindo. – A voz que se sobressaia diante a todas gritou, mas a porta de meu quarto já estava sendo aberta de maneira abrupta e um homem ferido acendeu a luz, permitindo que eu visse o pequeno corte em sua testa, ele sangrava.
- Estava querendo me matar, não é? – Perguntou ele estupidamente.
- Tapado! Levou um tombo e quer culpa a menina. – Uma voz doce sussurrou.
Diante daquela acusação eu apenas me encolhi ainda mais entre os lençóis, parecendo pressentir o pior. O homem se aproximava furioso, com os olhos tomados pela fúria.
- Louco, louco! Ele está louco! – Cantarolava uma das vozes enquanto a distância entre mim e ele diminuía.
Bastaram poucos passos e as mãos pesadas daquele homem já estavam sobre mim, pressionando meus ombros, arrancando-me da cama, machucando-me. Eu implorava para que parasse, estava apavorada. Ninguém mais estava calado. Todos os gritos mesclaram-se, impedindo que eu entendesse qualquer palavra. Senti o peso da mão daquele homem quando ela acertou em cheio meu rosto, levando-me ao chão.
- Mate ele, mate ele!!! – Ordenava uma voz rente ao meu ouvido enquanto eu tentava levantar meu corpo que tremia intensamente. Eu ainda não compreendia o que estava acontecendo. Como tudo havia chegado aquele ponto?
O gosto de meu próprio sangue preenchia minha boca e antes mesmo de me por de pé, senti meu copo sendo arrastado. Minhas unhas arranhavam o chão, eu tentava me segurar, mas ele era muito mais forte. A voz irritante da mulher que perante a sociedade se dizia minha mãe chamava-me dos piores nomes.
- Defenda-se, você pode! – A voz das sombras me encorajava.
Senti uma energia desconhecida percorrer todo meu corpo à medida que eu sentia as dores se intensificando, meu sangue parecia borbulhar em minhas veias. Eu queria parar aquela fera, arrancar seus olhos, dilacerar suas mãos, explodir sua cabeça. Não era justo o que ele fazia, não era digno, eu não tinha feito nada. Um grito meu explodiu assustando o casal, fazendo com ele me soltasse.
Enquanto tentava recuperar minhas forças, ouvia as vozes e enxergava os olhos furiosos e insanos daquele casal enlouquecido. Sem ninguém esperar uma névoa escura pareceu preencher o corredor para onde eu havia sido arrastada. O dia não parecia tão iluminado e quente a partir dali. O homem se afastou confuso e apavorado, dando-me mais chances para tentar me levantar. Todos se calaram, alimentando um silêncio sepulcral que permitiu minha concentração ser movida pelo ódio.
De pé, prendi meu olhar na sombra daquele ser miserável e covarde que já me ameaçava mais uma vez, voltando a se aproximar. A partir de então algo inexplicável começou. Sombras humanoides passaram a cercá-lo e berravam coisas que só eu e ele podíamos ouvir. Os gritos apavorados do desgraçado se mesclavam aquelas vozes. Ele se dizia paralisado, também podia ver as sombras que o encurralavam. Repentinamente cortes profundos começaram a surgir em seu rosto, rasgando também suas roupas, fazendo jorrar seu sangue asqueroso. Enquanto isso ele chorava de pavor e sofrimento, não parecia mais o “corajoso” capaz de espancar uma menininha. As sombras negras com garras enormes torturavam-no.
Eu não desviava meus olhos, queria ouvi-lo gritar, vê-lo sangrar e sofrer. As forças das sombras brincavam com sua dor e com a chanca de tortura-lo, eu as ouvia gargalhar, até sentir uma forte pancada na nuca. A escuridão veio, eu apaguei.
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Re: O Diário Secreto de Lana D'yer Elrien
O Diário Secreto
Páginas 60 à 69
”Na primeira página da nossa história o futuro parecia tão brilhante... Então isso se tornou tão diabólico... Eu não sei porque ainda estou surpresa, até os anjos têm seus planos perversos e você leva isso a novos extremos. Mas você sempre será meu herói, mesmo que você tenha perdido a cabeça.”
Ainda sinto todo meu corpo tremer, a pressão ainda é forte sob meu peito. Eu não consigo conter essas lágrimas, não deveria ter assistido o que assisti. Não posso acreditar, ele não pode ser aquele monstro. As vozes estavam certas ao me avisarem. E eu preciso que alguém além de nós saiba. Preciso revelar este segredo que está me corroendo por dentro. Preciso revelar a verdadeira identidade de Érebus, nem que seja nessas páginas de diário.
Meu guardião nunca foi uma figura normal e eu nunca me importei com isso. Mas ultimamente, com a aparição dessa mulher chamada Luciene, as coisas andam ficando muito mais estranhas. Essa ruiva de olhos de gato nunca me provocou boas impressões. Não passa de uma qualquer, sempre vulgar, insistindo em conquistar – ou reconquistar – meu tutor. Mas quando ela disse que eu não o conhecia como ela conhece estava falando a verdade. E ela fez questão de me mostrar isso.
Desde que ela apareceu Érebus adotou um comportamento ainda mais misterioso. Volta e meia some, não é muito difícil imaginar o que anda fazendo... Principalmente porque Luciene também sempre desaparece... Até que após alguns dias e uma conversa nada amigável ela me ofereceu um endereço, afirmando que se fosse ao lugar eu abriria meus olhos. Com o papel em mãos, o horário guardado na memória e todas as dúvidas me consumindo, ainda pensava em não ir. Temia o que pudesse ver e saber. Pela primeira vez a minha curiosidade não me controlou, mas não foi assim por muito tempo.
Quando a noite caiu, em meu quarto, estampado naquele maldito relógio digital estavam as horas, e eu observava os minutos passarem. Aquilo me dava agonia. Tentava espairecer escrevendo e lendo um pouco, mas o bendito papel permanecia no mesmo local, sobre a mesinha de centro da sala, ao lado do relógio, pronto para me instigar e me chamar. Eu me revirava no sofá, inquieta. O desejo por conhecer a verdade duelava contra o meu medo de uma grande decepção. Eu precisava decidir, os minutos não paravam de ser contados.
O relógio marcou 22:13, levantei-me decidida. Eu não poderia continuar com aquela dúvida, mesmo que a resposta que viesse fosse capaz de me destruir. Peguei um casaco, pois a noite estava fria, retirei alguns trocados para o taxi e enfiei de qualquer maneira o pedaço de papel em um dos bolsos. Dominada pela coragem, fui na direção daquele destino marcado no papel com letras bem desenhadas pela ruiva provocante.
Não demorou muito tempo para que eu chegasse ao local, na verdade foram 30 minutos, mas eu nem senti o tempo passar dentro daquele carro. Os pensamentos seguiram atordoados, repletos de emoções e questionamentos. A última coisa que eu iria me focar seria na hora.
Quando cheguei ao local, deparei-me com um abatedouro abandonado. Era óbvio supor isso pelo estado do edifício. Possuía 2 andares, estava com a pintura desgastada, parecia pronto para desabar pelo descaso que vinha sofrendo durante todos esses anos de esquecimento. As letras que um dia marcavam seu nome estavam cobertas por poeira de longos anos de abandono. Apesar de ter apenas dois andares, o abatedouro antigo era grande. Seu interior deveria ser imenso e mais bizarro que sua fachada. Só de imaginar a maneira com a qual sacrificavam os animais na época em que o abatedouro funcionava já me deixava com o estomago embrulhado.
Uma corrente grossa e de longos metros estava toda enrolada trancando a porta, como parceria tinha um grande e forte cadeado. Por ali eu não poderia entrar. Busquei alguma entrada observando o local. As janelas do primeiro andar eram pequenas, não seria possível passar por alguma delas. A esperança estava no segundo andar, onde as janelas eram maiores e, como toda as de estruturas antigas, estavam quebradas. Eu poderia entrar por elas caso fosse capaz de subir até lá. Eu tentei encontrar uma maneira.
O jeito foi subir pela escada do outro edifício, caminhar sobre o parapeito e dar um salto perigoso para o outro lado, encostando meu corpo contra as paredes e passando sobre um pequeno espaço de mínimos centímetros. Não havia nenhuma proteção, um passo em falso e eu despencaria alguns metros, mas nada daquilo diminuía minha coragem.
Um farol amarelado surgiu no horizonte. O único que eu havia visto desde minha chegada ao local. A rua parecia deserta, morta, talvez até assombrada, pois todos os estabelecimentos ali estavam fechados e emanavam uma energia pesada. Aquele lugar de Las Vegas parecia esquecido, um mundo que vivia a parte de toda luz e alegria da cidade.
A van negra parou na frente do abatedouro, não foi difícil supor quem sairia de seu interior. Poucos segundos depois Érebus estava descendo do carro, Luciene veio logo depois. Gritos me surpreenderam em seguida. Um grupo de brutamontes enormes saiu da traseira da van, carregando corpos que se debatiam. Os gritos eram femininos, as moças que gritavam estavam envolvidas por tecidos negros e eu comecei a me perguntar o que estava acontecendo ali.
Meu pé derrapou quando ousei mais um passo. Agilmente grudei meu corpo contra a parede, faltavam poucos centímetros para alcançar a janela. Precisei respirar fundo, pois naqueles segundos minhas pernas insistiram em bambear por causa do imprevisto. Torci para não terem percebido minha presença. O ar entrava com dificuldades em meus pulmões, meu coração batia acelerado e eu senti a adrenalina pulsando freneticamente sob minhas veias. Quando ouvi as correntes sendo jogadas no chão respirei mais aliviada, aparentemente não havia sido detectada, mas os gritos das meninas ficaram ainda mais altos e angustiantes, sendo capazes de me provocar arrepios.
Em um único movimento saltei para o lado de dentro, cortando uma parte da minha roupa e carne em uma ponta afiada de vidro. Segurei um grito fraco, a dor deveria ser insignificante naquele momento, mas eu não gostava de me machucar. O sangue começou a marcar minha calça jeans, mostrando que o corte não havia sido tão superficial quanto eu gostaria. Tentei observar a profundidade do ferimento, mas quando sons de correria e desespero começaram do lado de baixo, esqueci de tudo. Arrastei-me até um lugar aonde pudesse ver claramente o que acontecia no primeiro andar. O que eu vi vai ficar para sempre guardado em minha mente.
Como havia perdido preciosos minutos, perguntava-me o que acontecera com a garota loira. O lado direito de seu pescoço estava coberto de sangue. Ela buscava a saída e vendo seu desespero meu coração ficou angustiado. O que eles estavam fazendo com aquelas meninas?
Meus olhos não acreditaram no que viram a seguir. Em uma velocidade indescritível Luciene percorreu quase 10 metros, isso em um piscar de olhos. Mas o mais impressionante veio em seguida. Ela mostrou presas enormes, essas presas substituíram seus dentes brancos e perfeitos, dando a ela uma aparência aterrorizante. Seus olhos tomaram um tom negro que cobria todo o globo e veias escuras quase saltavam de seu rosto pálido. Ela cravou aquelas presas terríveis no pescoço da menina, sua fome insaciável fez jorrar sangue que salpicou sobre seu rosto momentaneamente deformado. A ruiva ainda cravava suas unhas pontudas nos ombros da vítima, fazendo mais sangue cair. Não precisava nem mais sinais para revelar que ela tinha uma força sobre-humana. A loira se debateu por mais alguns segundos, até seu corpo não mostrar mais nenhuma resistência. Luciene então a soltou, deixando que seu corpo despencasse sobre o solo, morto.
- Agora é sua vez, meu querido. – a ruiva limpava o sangue fresco de sua boca enquanto seu rosto voltava ao normal.
O pior eu ainda não tinha visto. Ela havia falado para Érebus. Eu naquele momento perdi as forças, não acreditava que seria capaz de assistir o meu guardião fazer a mesma coisa. Sentei-me no chão, as minhas pernas não me seguravam mais, mas meus olhos permaneceram fixos no que acontecia lá embaixo, eu não conseguia me livrar do desejo de ver o que aconteceria a seguir. Lágrimas começavam a brotar, molhando meu rosto e embaçando a minha visão, mas eu as limpava e continuava assistindo a sessão de horrores.
Érebus se aproximou da segunda menina com passos calmos. Aparentemente ela era uma jovem pouco mais velha que eu. A morena chorava, implorava por sua vida, mas ele apenas seguia em seus passos tranquilos, parecendo brincar com o suspense e seu desespero. Quando chegou perto o suficiente, aproximou-se de seu rosto, parecendo farejá-la para aumentar ainda mais sua agonia. Mas depois ele se afastou e com uma voz dominada por asco comentou:
- Essa vadia está doente.
Nem passou um segundo. Ele a jogou no chão, retirou uma adaga guardada em alguma parte de sua roupa e apunhalou a garota uma única vez. O sangue espirrou, manchando-o e me fazendo gritar, dessa vez não pude me conter.
Eu mesmo tinha me delatado. Quando percebi os olhos vorazes de Luciene sobre mim percebi que o que ela mais desejava era abocanhar meu pescoço, como fizera com a loira minutos atrás. A ruiva sanguinária ainda parecia pronta para beber mais sangue. Não havia mais como me esconder. Levantei-me.
- Lana... – disse Érebus quase a sussurrar ao me ver aparecer entre as sombras, seu tom parecia de lamento e surpresa. Nesse momento as lágrimas já não eram mais controladas, um nó embargou por segundos qualquer palavra, fazendo-me soltar sons incompreensíveis. Eu via os brutamontes prontos para saírem em minha caça enquanto dava passos para trás.
- O cheiro do sangue dela é apetitoso. – comentou Luciene, parecendo farejar o odor no ar.
- Você está machucada Lana! – disse Érebus, olhando exatamente para meu ferimento. O sangue ainda não havia coagulado, caia discretamente e parecia atiçar a fome da ruiva.
- Eu não posso me controlar, ainda sinto fome. – mal ela disse sorrindo e suas presas saltaram mais uma vez. Logo depois veio o salto veloz e perfeito, ela parou poucos metros diante de mim.
- Você é mágica, garota! – disse ela com seus olhos tomando um tom rubro. Ela deu um passo, eu recuei.
Repentinamente houve mais um movimento rápido que meus olhos não conseguiram acompanhar. Logo Luciene está sendo jogada do segundo andar. Seu corpo pálido e aparentemente frágil afundou o chão em um grande estrondo e a voz distorcida e raivosa de Érebus ordenou:
- Mantenha-se longe dela. Não a toque.
Vindo do primeiro andar eu ouvi a voz irônica da ruiva que se levantava como se nada tivesse acontecido, estava inteira e dizia:
- O apaixonado Hargreaves, sempre protegendo sua amada Annya. Mas você se esqueceu que é pior que um demônio.
Érebus estava diante a mim, ignorava as palavras ferinas de Luciene, tentava se aproximar, mas eu não parava de olhar para seu rosto, pescoço e blusa tomados pelo sangue. Ele não parecia em nada aquele homem que eu admirava e amava. Naquele momento era a mais assustadora criatura que eu já havia encontrado. Eu estava vivendo meu pior pesadelo, e não tinha a possibilidade de acordar.
- Você é um monstro. – vociferei com todo ódio e decepção que sentia naquele momento.
- Por favor, Lana. Acalme-se! – ele pediu, insistindo em se aproximar com cautela, obrigando-me a recuar mais passos.
As risadas e Luciene explodiram e mais uma vez em um salto ela estava lá em cima, de frente a mim, apenas com Érebus entre nós.
- E o que você pensa que é, querida? Você não é muito diferente.
- Cala essa maldita boca, Lucy! – mais uma vez meu tutor gritou furioso.
- Afastem-se! – eu ordenei, olhando para a janela por onde havia entrado, estava ao meu lado. – Eu vou saltar. – Ameacei, certa de que faria se eles dessem mais um passo. Estava apavorada demais. O sangue nas roupas deles, os gigantes que estavam no andar de baixo devorando a última vitima. Eu só queria ir para casa e me esconder por debaixo dos lençóis como fazia quando era pequena. Meu mundo havia desabado. O homem em quem confiara nos últimos 10 anos era uma fera monstruosa que matava e devia se alimentar de sangue. Tudo estava errado e eu repetia isso enquanto voltava a chorar, ainda mais desesperada.
- Tá tudo errado, tudo errado. – eu começava a soluçar, enquanto tentava conter as lágrimas colocando as mãos em meu rosto. Senti os braços de Érebus me envolvendo para um abraço forte, um abraço que só ele conseguia me dar para afastar todos meu medos, mas não funcionou naquele momento, mesmo que ele se desculpasse com um tom macio e acolhedor. O afastei de mim, saltando como havia dito que faria, ouvindo-o chamar meu nome.
- São quase quatro metros, sua louca. – essa era a voz irritante de Luciene, a ultima coisa clara que pude ouvir.
Senti uma dor aguda que quase secou minha respiração. Senti o contato gelado e duro do chão de concreto. Ouvi perfeitamente o som de minha própria queda, foi algo que deixou uma pressão em meus dois ouvidos. A dor lancinante me fazia acreditar que ainda estava viva, mas com alguma ou algumas partes do corpo quebradas, afinal, foram quase quatro metros.
Tentei me levantar, mas senti que o meu pulso esquerdo não respondia, apenas doía, devia ser uma das partes quebradas de meu corpo. Ao tentar me virar percebi que a costela direita também havia sofrido com a queda. Soltei um gemido alto que expressou toda minha dor e fiquei ali, como um peso morto, uma presa fácil para ser abatida.
Érebus e Luciene apareceram, obrigando—me a encontrar forças para ao menos me sentar no chão.
- Lana, eu vou cuidar de você. – era o meu guardião com uma voz tão distante que eu quase não conseguia compreender. Eu enxergava seu rosto como um grande borrão em meio a uma nuvem que parecia levar pequenos pontos de luz. Érebus tocava em meu rosto com seus dedos frios. Aquele toque fez com que me afastasse mais uma vez, mas apenas porque havia doido. Eu devia ter mais um machucado na cabeça, só que uma tontura repentina apareceu e eu cai novamente no chão, sem mais noção do que acontecia, eu já havia desistido, estava ferida demais em todos os sentidos. Poderia ser morta ali mesmo, eu não me importava mais. Só queria dormir, para sempre...
Sem dúvida foi o pior dia de minha vida e as marcas ainda são bem recentes. Foram duas noites passadas e agora eu estou aqui, deitada em minha cama, com uma costela e um pulso quebrado, um tornozelo luxado, além de várias escoriações. Érebus me mantém trancada, pois sabe do perigo de eu fugir a qualquer momento, mesmo estando dessa maneira. Eu já ameacei e ele aprendeu que minhas ameaças só são ditas uma vez.
Mas o pior é sentir essa culpa. É encarar os olhos tristes daquele que cuidou de mim por todos esses anos. Eu tive tempo para pensar, para relembrar, para me condenar ainda mais. Foi ele que me aceitou do jeito que eu sou, quando todos me rejeitaram, tratando-me como uma aberração. Foi ele que me aparou durante todos esses anos, dando-me o que sempre precisei. Ele sempre será o meu herói por tudo que fez por mim, eu só tenho que aprender a aceita-lo do jeito que é. Mas o sangue daquela garota ainda mancha esse meu desejo de aceitação, que me faz teme-lo assim que ele aparece. Eu estou confusa, eu só quero dormir, mas até em meus piores sonhos esse dilema me assombra.
Ainda sinto todo meu corpo tremer, a pressão ainda é forte sob meu peito. Eu não consigo conter essas lágrimas, não deveria ter assistido o que assisti. Não posso acreditar, ele não pode ser aquele monstro. As vozes estavam certas ao me avisarem. E eu preciso que alguém além de nós saiba. Preciso revelar este segredo que está me corroendo por dentro. Preciso revelar a verdadeira identidade de Érebus, nem que seja nessas páginas de diário.
Meu guardião nunca foi uma figura normal e eu nunca me importei com isso. Mas ultimamente, com a aparição dessa mulher chamada Luciene, as coisas andam ficando muito mais estranhas. Essa ruiva de olhos de gato nunca me provocou boas impressões. Não passa de uma qualquer, sempre vulgar, insistindo em conquistar – ou reconquistar – meu tutor. Mas quando ela disse que eu não o conhecia como ela conhece estava falando a verdade. E ela fez questão de me mostrar isso.
Desde que ela apareceu Érebus adotou um comportamento ainda mais misterioso. Volta e meia some, não é muito difícil imaginar o que anda fazendo... Principalmente porque Luciene também sempre desaparece... Até que após alguns dias e uma conversa nada amigável ela me ofereceu um endereço, afirmando que se fosse ao lugar eu abriria meus olhos. Com o papel em mãos, o horário guardado na memória e todas as dúvidas me consumindo, ainda pensava em não ir. Temia o que pudesse ver e saber. Pela primeira vez a minha curiosidade não me controlou, mas não foi assim por muito tempo.
Quando a noite caiu, em meu quarto, estampado naquele maldito relógio digital estavam as horas, e eu observava os minutos passarem. Aquilo me dava agonia. Tentava espairecer escrevendo e lendo um pouco, mas o bendito papel permanecia no mesmo local, sobre a mesinha de centro da sala, ao lado do relógio, pronto para me instigar e me chamar. Eu me revirava no sofá, inquieta. O desejo por conhecer a verdade duelava contra o meu medo de uma grande decepção. Eu precisava decidir, os minutos não paravam de ser contados.
O relógio marcou 22:13, levantei-me decidida. Eu não poderia continuar com aquela dúvida, mesmo que a resposta que viesse fosse capaz de me destruir. Peguei um casaco, pois a noite estava fria, retirei alguns trocados para o taxi e enfiei de qualquer maneira o pedaço de papel em um dos bolsos. Dominada pela coragem, fui na direção daquele destino marcado no papel com letras bem desenhadas pela ruiva provocante.
Não demorou muito tempo para que eu chegasse ao local, na verdade foram 30 minutos, mas eu nem senti o tempo passar dentro daquele carro. Os pensamentos seguiram atordoados, repletos de emoções e questionamentos. A última coisa que eu iria me focar seria na hora.
Quando cheguei ao local, deparei-me com um abatedouro abandonado. Era óbvio supor isso pelo estado do edifício. Possuía 2 andares, estava com a pintura desgastada, parecia pronto para desabar pelo descaso que vinha sofrendo durante todos esses anos de esquecimento. As letras que um dia marcavam seu nome estavam cobertas por poeira de longos anos de abandono. Apesar de ter apenas dois andares, o abatedouro antigo era grande. Seu interior deveria ser imenso e mais bizarro que sua fachada. Só de imaginar a maneira com a qual sacrificavam os animais na época em que o abatedouro funcionava já me deixava com o estomago embrulhado.
Uma corrente grossa e de longos metros estava toda enrolada trancando a porta, como parceria tinha um grande e forte cadeado. Por ali eu não poderia entrar. Busquei alguma entrada observando o local. As janelas do primeiro andar eram pequenas, não seria possível passar por alguma delas. A esperança estava no segundo andar, onde as janelas eram maiores e, como toda as de estruturas antigas, estavam quebradas. Eu poderia entrar por elas caso fosse capaz de subir até lá. Eu tentei encontrar uma maneira.
O jeito foi subir pela escada do outro edifício, caminhar sobre o parapeito e dar um salto perigoso para o outro lado, encostando meu corpo contra as paredes e passando sobre um pequeno espaço de mínimos centímetros. Não havia nenhuma proteção, um passo em falso e eu despencaria alguns metros, mas nada daquilo diminuía minha coragem.
Um farol amarelado surgiu no horizonte. O único que eu havia visto desde minha chegada ao local. A rua parecia deserta, morta, talvez até assombrada, pois todos os estabelecimentos ali estavam fechados e emanavam uma energia pesada. Aquele lugar de Las Vegas parecia esquecido, um mundo que vivia a parte de toda luz e alegria da cidade.
A van negra parou na frente do abatedouro, não foi difícil supor quem sairia de seu interior. Poucos segundos depois Érebus estava descendo do carro, Luciene veio logo depois. Gritos me surpreenderam em seguida. Um grupo de brutamontes enormes saiu da traseira da van, carregando corpos que se debatiam. Os gritos eram femininos, as moças que gritavam estavam envolvidas por tecidos negros e eu comecei a me perguntar o que estava acontecendo ali.
Meu pé derrapou quando ousei mais um passo. Agilmente grudei meu corpo contra a parede, faltavam poucos centímetros para alcançar a janela. Precisei respirar fundo, pois naqueles segundos minhas pernas insistiram em bambear por causa do imprevisto. Torci para não terem percebido minha presença. O ar entrava com dificuldades em meus pulmões, meu coração batia acelerado e eu senti a adrenalina pulsando freneticamente sob minhas veias. Quando ouvi as correntes sendo jogadas no chão respirei mais aliviada, aparentemente não havia sido detectada, mas os gritos das meninas ficaram ainda mais altos e angustiantes, sendo capazes de me provocar arrepios.
Em um único movimento saltei para o lado de dentro, cortando uma parte da minha roupa e carne em uma ponta afiada de vidro. Segurei um grito fraco, a dor deveria ser insignificante naquele momento, mas eu não gostava de me machucar. O sangue começou a marcar minha calça jeans, mostrando que o corte não havia sido tão superficial quanto eu gostaria. Tentei observar a profundidade do ferimento, mas quando sons de correria e desespero começaram do lado de baixo, esqueci de tudo. Arrastei-me até um lugar aonde pudesse ver claramente o que acontecia no primeiro andar. O que eu vi vai ficar para sempre guardado em minha mente.
Como havia perdido preciosos minutos, perguntava-me o que acontecera com a garota loira. O lado direito de seu pescoço estava coberto de sangue. Ela buscava a saída e vendo seu desespero meu coração ficou angustiado. O que eles estavam fazendo com aquelas meninas?
Meus olhos não acreditaram no que viram a seguir. Em uma velocidade indescritível Luciene percorreu quase 10 metros, isso em um piscar de olhos. Mas o mais impressionante veio em seguida. Ela mostrou presas enormes, essas presas substituíram seus dentes brancos e perfeitos, dando a ela uma aparência aterrorizante. Seus olhos tomaram um tom negro que cobria todo o globo e veias escuras quase saltavam de seu rosto pálido. Ela cravou aquelas presas terríveis no pescoço da menina, sua fome insaciável fez jorrar sangue que salpicou sobre seu rosto momentaneamente deformado. A ruiva ainda cravava suas unhas pontudas nos ombros da vítima, fazendo mais sangue cair. Não precisava nem mais sinais para revelar que ela tinha uma força sobre-humana. A loira se debateu por mais alguns segundos, até seu corpo não mostrar mais nenhuma resistência. Luciene então a soltou, deixando que seu corpo despencasse sobre o solo, morto.
- Agora é sua vez, meu querido. – a ruiva limpava o sangue fresco de sua boca enquanto seu rosto voltava ao normal.
O pior eu ainda não tinha visto. Ela havia falado para Érebus. Eu naquele momento perdi as forças, não acreditava que seria capaz de assistir o meu guardião fazer a mesma coisa. Sentei-me no chão, as minhas pernas não me seguravam mais, mas meus olhos permaneceram fixos no que acontecia lá embaixo, eu não conseguia me livrar do desejo de ver o que aconteceria a seguir. Lágrimas começavam a brotar, molhando meu rosto e embaçando a minha visão, mas eu as limpava e continuava assistindo a sessão de horrores.
Érebus se aproximou da segunda menina com passos calmos. Aparentemente ela era uma jovem pouco mais velha que eu. A morena chorava, implorava por sua vida, mas ele apenas seguia em seus passos tranquilos, parecendo brincar com o suspense e seu desespero. Quando chegou perto o suficiente, aproximou-se de seu rosto, parecendo farejá-la para aumentar ainda mais sua agonia. Mas depois ele se afastou e com uma voz dominada por asco comentou:
- Essa vadia está doente.
Nem passou um segundo. Ele a jogou no chão, retirou uma adaga guardada em alguma parte de sua roupa e apunhalou a garota uma única vez. O sangue espirrou, manchando-o e me fazendo gritar, dessa vez não pude me conter.
Eu mesmo tinha me delatado. Quando percebi os olhos vorazes de Luciene sobre mim percebi que o que ela mais desejava era abocanhar meu pescoço, como fizera com a loira minutos atrás. A ruiva sanguinária ainda parecia pronta para beber mais sangue. Não havia mais como me esconder. Levantei-me.
- Lana... – disse Érebus quase a sussurrar ao me ver aparecer entre as sombras, seu tom parecia de lamento e surpresa. Nesse momento as lágrimas já não eram mais controladas, um nó embargou por segundos qualquer palavra, fazendo-me soltar sons incompreensíveis. Eu via os brutamontes prontos para saírem em minha caça enquanto dava passos para trás.
- O cheiro do sangue dela é apetitoso. – comentou Luciene, parecendo farejar o odor no ar.
- Você está machucada Lana! – disse Érebus, olhando exatamente para meu ferimento. O sangue ainda não havia coagulado, caia discretamente e parecia atiçar a fome da ruiva.
- Eu não posso me controlar, ainda sinto fome. – mal ela disse sorrindo e suas presas saltaram mais uma vez. Logo depois veio o salto veloz e perfeito, ela parou poucos metros diante de mim.
- Você é mágica, garota! – disse ela com seus olhos tomando um tom rubro. Ela deu um passo, eu recuei.
Repentinamente houve mais um movimento rápido que meus olhos não conseguiram acompanhar. Logo Luciene está sendo jogada do segundo andar. Seu corpo pálido e aparentemente frágil afundou o chão em um grande estrondo e a voz distorcida e raivosa de Érebus ordenou:
- Mantenha-se longe dela. Não a toque.
Vindo do primeiro andar eu ouvi a voz irônica da ruiva que se levantava como se nada tivesse acontecido, estava inteira e dizia:
- O apaixonado Hargreaves, sempre protegendo sua amada Annya. Mas você se esqueceu que é pior que um demônio.
Érebus estava diante a mim, ignorava as palavras ferinas de Luciene, tentava se aproximar, mas eu não parava de olhar para seu rosto, pescoço e blusa tomados pelo sangue. Ele não parecia em nada aquele homem que eu admirava e amava. Naquele momento era a mais assustadora criatura que eu já havia encontrado. Eu estava vivendo meu pior pesadelo, e não tinha a possibilidade de acordar.
- Você é um monstro. – vociferei com todo ódio e decepção que sentia naquele momento.
- Por favor, Lana. Acalme-se! – ele pediu, insistindo em se aproximar com cautela, obrigando-me a recuar mais passos.
As risadas e Luciene explodiram e mais uma vez em um salto ela estava lá em cima, de frente a mim, apenas com Érebus entre nós.
- E o que você pensa que é, querida? Você não é muito diferente.
- Cala essa maldita boca, Lucy! – mais uma vez meu tutor gritou furioso.
- Afastem-se! – eu ordenei, olhando para a janela por onde havia entrado, estava ao meu lado. – Eu vou saltar. – Ameacei, certa de que faria se eles dessem mais um passo. Estava apavorada demais. O sangue nas roupas deles, os gigantes que estavam no andar de baixo devorando a última vitima. Eu só queria ir para casa e me esconder por debaixo dos lençóis como fazia quando era pequena. Meu mundo havia desabado. O homem em quem confiara nos últimos 10 anos era uma fera monstruosa que matava e devia se alimentar de sangue. Tudo estava errado e eu repetia isso enquanto voltava a chorar, ainda mais desesperada.
- Tá tudo errado, tudo errado. – eu começava a soluçar, enquanto tentava conter as lágrimas colocando as mãos em meu rosto. Senti os braços de Érebus me envolvendo para um abraço forte, um abraço que só ele conseguia me dar para afastar todos meu medos, mas não funcionou naquele momento, mesmo que ele se desculpasse com um tom macio e acolhedor. O afastei de mim, saltando como havia dito que faria, ouvindo-o chamar meu nome.
- São quase quatro metros, sua louca. – essa era a voz irritante de Luciene, a ultima coisa clara que pude ouvir.
Senti uma dor aguda que quase secou minha respiração. Senti o contato gelado e duro do chão de concreto. Ouvi perfeitamente o som de minha própria queda, foi algo que deixou uma pressão em meus dois ouvidos. A dor lancinante me fazia acreditar que ainda estava viva, mas com alguma ou algumas partes do corpo quebradas, afinal, foram quase quatro metros.
Tentei me levantar, mas senti que o meu pulso esquerdo não respondia, apenas doía, devia ser uma das partes quebradas de meu corpo. Ao tentar me virar percebi que a costela direita também havia sofrido com a queda. Soltei um gemido alto que expressou toda minha dor e fiquei ali, como um peso morto, uma presa fácil para ser abatida.
Érebus e Luciene apareceram, obrigando—me a encontrar forças para ao menos me sentar no chão.
- Lana, eu vou cuidar de você. – era o meu guardião com uma voz tão distante que eu quase não conseguia compreender. Eu enxergava seu rosto como um grande borrão em meio a uma nuvem que parecia levar pequenos pontos de luz. Érebus tocava em meu rosto com seus dedos frios. Aquele toque fez com que me afastasse mais uma vez, mas apenas porque havia doido. Eu devia ter mais um machucado na cabeça, só que uma tontura repentina apareceu e eu cai novamente no chão, sem mais noção do que acontecia, eu já havia desistido, estava ferida demais em todos os sentidos. Poderia ser morta ali mesmo, eu não me importava mais. Só queria dormir, para sempre...
Sem dúvida foi o pior dia de minha vida e as marcas ainda são bem recentes. Foram duas noites passadas e agora eu estou aqui, deitada em minha cama, com uma costela e um pulso quebrado, um tornozelo luxado, além de várias escoriações. Érebus me mantém trancada, pois sabe do perigo de eu fugir a qualquer momento, mesmo estando dessa maneira. Eu já ameacei e ele aprendeu que minhas ameaças só são ditas uma vez.
Mas o pior é sentir essa culpa. É encarar os olhos tristes daquele que cuidou de mim por todos esses anos. Eu tive tempo para pensar, para relembrar, para me condenar ainda mais. Foi ele que me aceitou do jeito que eu sou, quando todos me rejeitaram, tratando-me como uma aberração. Foi ele que me aparou durante todos esses anos, dando-me o que sempre precisei. Ele sempre será o meu herói por tudo que fez por mim, eu só tenho que aprender a aceita-lo do jeito que é. Mas o sangue daquela garota ainda mancha esse meu desejo de aceitação, que me faz teme-lo assim que ele aparece. Eu estou confusa, eu só quero dormir, mas até em meus piores sonhos esse dilema me assombra.
- Music, porque sim u.u:
https://www.youtube.com/watch?v=2B50RUXbs-8
Só deixa eu me acertar o PC pra criar o video... Pq sim tbm...
Creado por Frozen •
Lana D'yer Elrien- Mensagens : 98
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Grupos de Poder: Alteração de Realidade
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Re: O Diário Secreto de Lana D'yer Elrien
O DIÁRIO SECRETO
Icons of death float on beyond me Whispering my name and breathing my fear |
Bastou um suspiro mais profundo e algo dentro de mim pareceu ter sido arrancado sem piedade. A costela quebrada ainda me fazia sofrer com intensas dores, apesar de já ter se passado mais de uma semana desde o incidente. Eu tentava me virar naquela cama com certa dificuldade, tentando diminuir a dor que tirava até meu ar.
Não era somente a costela quebrada que me incomodava, o pulso quebrado e o pé luxado também. O pulso me impediria durante três meses de fazer movimentos bruscos. Eu estava muito machucada, mas não era nada se comparada com toda a confusão que permanecia a bagunçar minha mente. Durante todos esses dias evitei ao máximo Luciene, apesar dela insistir muitas vezes em aparecer. Mas naquele dia não teve como ignorá-la.
Eu respirava com dificuldades enquanto tomava o reforçado café da manhã, que ainda era turbinado com alguns comprimidos de analgésicos, tomava uns 3 a cada 12 horas. Só assim melhorava a dor e eu conseguia dormir um pouco. Luciene apareceu em um vestido rosado, com seus olhos penetrantes e intimidadores. Naquele dia não houve escapatória, após muito tempo não houve mais como evitar aquela vampira.
- Já te disse que não é bem vinda em meu apartamento. – rosnei, deixando clara minha insatisfação. Se ela fosse inteligente e eu ríspida o suficiente, talvez me deixasse em paz, mas a ruiva era muito mais insistente do que eu podia imaginar.
Ela chegou quase desfilando em sua passarela macabra imaginária, seu quadril gingava e ela aparecia em uma postura triunfante, encarando-me com seus olhos brilhantes e monstruosos. O sorriso perverso era discretamente mostrado no canto esquerdo de seus lábios. Até se pronunciar com sua voz serena e sombria:
- Você sabe que ainda temos muito para falar... – ela disse, parando diante à mim, de pé de frente a cama, olhando-me fixamente enquanto cruzava seus braços e erguia sua cabeça de modo ufano.
- Eu te mostrei que nem tudo é contos de fadas, garotinha.
A minha paciência se esvaiu em poucos segundos. A colher que eu adoçava meu suco de laranja foi empurrada de qualquer maneria, derramando o copo de suco, fazendo com que eu sujasse tanto bandeja quanto os lençóis que estavam sobre mim naquela cama. Cerrei completamente meu cenho, deixando claro que o tempo ali tinha fechado por completo.
- Que tipo de doença você tem? Mal chegou e já mostrou essa sua postura lunática. Eu não quero que você me mostre nada, eu continuaria vivendo muito bem sem sua intromissão desprezível. – liberei toda minha fúria em palavras ferozes, sentindo o sangue quente pulsar sob minha veias e encarando a vampira intrometida. Ela não mudava sua expressão arrogante e irritante. Suspirou frivolamente, respondendo-me.
- Você continuaria vivendo uma mentira e tenho certeza que se tivesse escolha, voltaria a vive-la. Covardes são assim. Mas eu não estou aqui para te proteger e nem fazer algo para seu bem, pelo contrário, eu quero resgatar a sanidade de Érebus. Você faz mal a ele.
Seus olhos e toda raiva em sua voz seca transmitiam a verdade amarga daquelas palavras. Eu não pensei em duvidar, por isso engoli em seco aquele seu momento claro de honestidade. Um nó sufocante formou-se em minha garganta, o estômago contraiu-se graça ao nervosismo e a decepção instantânea, o coração acelerou levemente e as lágrimas salgadas surgiram como uma tempestade incontrolável e destruidora. Senti toda a vergonha e derrota por estar chorando na frente de uma inimiga declarada, mas a angústia de receber a verdade de uma maneira repentina e sem misericórdia era mais forte que meu orgulho.
A força para pronunciar qualquer palavra esvaiu-se, a curiosidade ardia forte em meu peito, mas o meu desalento repentino sugava todo resquício de energia. Eu estava acabada e ela percebeu, aproveitando para continuar despejando toda a realidade cruciante.
- Você fez com que ele escondesse sua real natureza, pôs em risco sua vida. Assistiu toda sua vitalidade murchar pouco a pouco e sem fazer nada. Preferiu o que? Acreditar que era apenas uma doença comum? Você sabia, eu tenho certeza que sabia que ele era diferente, assim como nós. – ela continuou, confundindo ainda mais minha cabeça já bagunçada. Com aquelas palavras a culpa me martirizou ainda mais. Eu de alguma forma sabia que meu tutor não era alguém comum, eu preferia acreditar e lutar para que ele se curasse de alguma doença qualquer, não enxergava sua real situação e da maneira que Luciene falava, fazia com que eu mesma duvidasse se eu preferia pensar assim.
Em um momento repentino de energia revigorada, lancei o copo vazio contra aquela mulher. Esbravejando, gritando, libertando minha agonia, tentando convencer a mim mesma de que suas acusações contra mim eram infames.
- Você não sabe de nada. Eu nunca faria mal a ele. Eu devo muito a ele.
A ruiva esquivou-se com facilidade, o que era bem fácil de se esperar, afinal, tinha reflexos muito mais aguçados que qualquer ser humano. O copo de vidro espatifou-se em mil pedaços ao se chocar contra a parede atrás dela. E eu nem tive a oportunidade de falar mais nada. Aquela vampira saltou sobre mim com sua velocidade absurda e quando percebi, ela já estava tampando minha boca. Sua força era impressionante, aquele corpo parecia a ponto de esmagar meus ossos, além de dificultar minha capacidade de respirar. Olhei para seus olhos claros que ganharam um círculo rubro ao redor de sua íris.
- Você deve sim. Deve a vida, mas não pode continuar a mantê-lo prisioneiro. Ele tem que voltar a ser o que era, mas por você renega sua própria natureza. Você precisa decidir deixa-lo, isso se o ama de verdade, se é realmente grata.
Eu sentia as batidas de meu próprio coração pulsando na mão fria daquela mulher que estava quase a me sufocar para me manter em silêncio. Eu queria tentar me defender de algum modo, mas estava super abalada e dominada pela dor, aquele corpo pressionando meus ossos fazia me lembrar de maneira lancinante a minha costela quebrada. Luciene parecia me torturar de propósito. E continuava suas palavras, enquanto eu, sem força alguma, tentava estapear sua mão para me livrar dela.
- Ele decidiu te proteger a todo custo. Enxerga você como sua maior responsabilidade, mas permitiu que você se tornasse também seu maior peso. O que você acha que é? É uma completa inútil, que precisa ser protegida e mimada 24 horas por dia. É uma criança digna de pena. Se ainda carrega um pedaço mínimo de dignidade, deveria partir, ou arranjará outra maneira de colocar em risco a vida dele.
Eu soltava gritos abafados, já não aguentava mais ouvir palavras tão duras. Ela precisava parar. Suas palavras ferinas provocavam ferimentos profundos em minha alma já devastada, mas ela mostrava claramente que não tinha intenção nenhuma de cessar com sua tortura psicológica e aquilo já estava me irritando ao ponto de me fazer perder o controle.
Passei a sentir uma sensação que reconhecia muito bem, apesar de tê-la sentido apenas uma única vez em toda minha vida.
- Mostre que o ama, seja corajosa, vá embora.
Aquela ruiva insistia, fazendo-me recordar que meu maior medo era de um dia me afastar de Érebus. Nunca gostei de imaginar isso e apenas cogitar a possibilidade já me fazia perder o controle. Uma corrente estranha passou a vibrar em meu corpo e eu ouvia as vozes mais profundas martelarem em minha cabeça. Estava acontecendo de novo, as sombras estavam prestes a se libertar.
Luciene abaixou sua mão, começando a me encarar estranhamente.
- O que você tem? – perguntou ela, parecendo preocupada pela primeira vez.
Vidrada em seus olhos, eu respondi, agora era minha vez de pronunciar algo em um tom seco e sombrio, capaz de arrepiar qualquer criatura com o mínimo de inteligência.
- Vontade de te fazer sofrer...
Prendi meus olhos na sombra da vampira e as vozes ao meu redor tornaram-se ainda mais altas e revoltas. Luciene prendeu sua respiração em um único inspirar. Ela pareceu paralisar ali mesmo, na minha frente. Até as formas humanoides surgirem com uma ferocidade ainda maior do que da primeira vez. Suas vozes eram monstruosas, rebeldes, pareciam demoníacas. A força delas parecia ainda maior, pois arrastaram a vampira paralisada para fora de minha cama. A ruiva continuava sem se mover, atônita, incapaz de gritar, parecia surpresa demais. E então os ferimentos começaram, enquanto isso eu me levantava, esquecendo qualquer tipo de dor. Apenas disposta a apreciar de pé o sofrimento daquela maldita.
Como eu me lembrava, as sombras encurralavam a mulher, atormentando-a, começando a fazer pequenos cortes por todo seu corpo. Luciene não gritava, e sua regeneração vampírica a curava dos ferimentos superficiais, mas nem assim desistia. Aumentava meu ódio, minha vontade de vê-la sofrer, abria cada vez mais o portal para que as criaturas perversas atravessassem. Elas representavam todas minhas vontades mais macabras e sanguinárias, poderiam ser consideradas as partes mais obscuras que eu permitia que viajasse pelas dimensões quando a fúria havia se tornado incontrolável. Mas contra aquela vampira pareceu não surtir o efeito desejado, ela foi capaz de suportar muito bem aquele meu ataque.
Para mim passou a ser impossível manter o ataque e eu desabei no chão, voltando a sentir todas as dores dos ferimentos, agora também misturadas à dor de mais uma derrota. Eu era incapaz de vencer Luciene. E ela fez questão de deixar isso bem claro quando me pegou pelos cabelos e me lançou com força contra a parede. Não tive nenhuma chance de defesa, apenas senti minha testa se chocar contra a parede maciça e depois meu corpo foi ao chão, fazendo-me gemer. As dores de meus ferimentos pareceram triplicar, tornando-me incapaz de me levantar.
A vampira apareceu ao meu lado, olhando-me com seu círculo rubro ao redor da íris. Poderia me chutar, agarrar-me novamente pelos cabelos, mas não, ficou de pé, como se quisesse mostrar toda sua soberania sobre mim. Enquanto isso eu permanecia derrubada no chão, na dúvida se deveria tentar me levantar ou não, temia mexer um só músculo e desencadear uma dor insuportável.
- Vá embora, garota. Eu sei que de alguma forma você o ama, chegou a hora de você protege-lo e o maior perigo para o Cain é você. – ela disse, naquele momento calma.
- Quem é Cain? – questionei, sentindo, além de tudo, a tontura pela pancada.
- Cain Hergreaves é aquele que você conhece apenas como Érebus. Viu só? Você não o conhece... Vou te deixar decidindo o que fazer. Aproveite que ele saiu em uma pequena viagem e só volta no fim da noite. Recolha tudo, e não esqueça... – ela abaixou e sussurrou em meu ouvido:
- Você não deve deixar rastros, ele irá e procurar até no inferno. – depois disso Luciene caminhou até a saída. O som de seus saltos ecoaram em minha cabeça, misturando-se com todas suas palavras ditas até aquele momento. Eu não queria ir, não podia aceitar a ideia de viver a vida longe de... Cain. Mas sabia que por mais que fosse perversa, Luciene estava certa ao afirmar que eu era um risco para ele se continuasse ao seu lado.
Com lágrimas nos olhos e sofrendo por todas as minhas dores, eu fiz força para erguer meu corpo. Ajoelhei-me sobre o carpete negro e ironicamente quando ergui meus olhos a primeira coisa que vi foi uma foto de Érebus. Aquilo serviu para que eu tomasse minha decisão. Eu tinha certeza que não seria capaz de viver feliz afastada daquele que amava, mas não conseguiria sobreviver sabendo que colocava em risco sua vida. Eu precisa ir embora, para sempre.
Arrastei-me até aquele porta-retrato, não tinha a capacidade de me levantar sem nenhum apoio. Ao me aproximar da cômodo, a usei como auxílio para me erguer, mas nem assim foi fácil. Parecia que eu tinha quebrado mais alguma coisa e por mais que eu estivesse arrasada, a dor foi suficientemente forte para que eu focasse nela.
Com dificuldade e ainda derramando minhas lágrimas, arranquei o retrato da pequena moldura, levando-o até meu rosto, tocando-o delicadamente com meus lábios trêmulos.
- É o melhor. Eu preciso ir. Agora é a minha vez de me sacrificar. O irônico e triste é que só agora entendi esse verdadeiro sentimento... – falei baixo, em meio a pequenos soluços. Estava experimentando a pior dor de toda minha vida, mas ao mesmo tempo, após tantos anos, eu compreendia o que sentia por Érebus e essa certeza só me deu mais coragem de partir, pois o amor verdadeiro envolve sacrifícios.
Fiquei com a foto na mão, eu a levaria comigo para onde quer que fosse, seria uma das poucas coisas que carregaria. Depois disso andei escorando-me pelas paredes indo até o closet, pegando uma simples mochila jeans, enfiando poucas roupas em seu interior, alguns itens de higiene e meu grimório, aquele que nunca abandonaria. O próximo passo foi recolher o dinheiro que tinha em casa, não era muito, pois tinha feito um depósito anteriormente. Mas era o que eu tinha e nem sequer pensei em levar cartões, facilmente seria rastreada. Eu não sabia para onde ir, não tinha quase nenhum lugar que poderia considerar familiar. Nem muitos conhecidos eu tinha, mas os poucos que havia conhecido e que havia me deixado alguma forma de contato, eu guardei na memória seus nomes e na mochila seus cartões e números de telefone.
Pronto! Eu estava preparada para partir. Dei uma ultima olhada em meu apartamento, sentindo o coração pesar após lembrar de tantos momentos que havia vivido ali. Era o local mais seguro do mundo. As lamúrias de tristeza das vozes das sombras começaram, aumentando ainda mais meu sofrimento. Não sabia quem ali poderia me acompanhar, talvez nenhum deles. Era como se eu tivesse me despedindo de amigos de longa data, era assim que eu via os espíritos que habitavam meu lar. Alguns eram irritantes e chatos, mas eu acabara por me acostumar com eles e deixa-los era difícil, mas não houve mais como voltar atrás.
Com imenso esforço sai do apartamento, fechando a porta e seguindo até o quarto de Luciene. Eu não sabia como ir para outro lugar. Ainda era menor, não podia pegar um avião nem um ônibus. Se ela quisesse me ver longe, teria que dar um jeito, e ela já tinha pensado nisso.
Ao entrar no quarto de Luciene, percebi uma figura estranha que permanecia de pé ao seu lado. Era alto, esguio e ainda mais pálido que ela. Seus olhos eram tão claros e brilhantes que chegavam a ser assustadores e os cabelos longos e negros lhe davam um aspecto ainda mais sinistro.
- Já decidiu para onde ir, franguinha? – ela perguntou com toda sua ironia, fazendo com que eu a olhasse com mais fúria ainda.
- Esse é o Taylor, ele irá te teletransportar para onde você quiser. Mas eu realmente não quero saber para onde você irá, assim não mentirei quando Cain perguntar, então irei sair. E... Faça um favor... - ela caminhou até a mim, para falar olhando em meus olhos:
- Morra antes dele te encontrar... – e depois disso saiu, deixando-me sozinha com o cara sinistro que já me encarava insistentemente. Ele apenas com o olhar já deixava claro que eu precisava decidir logo para onde iria.
- Estação de Metrô de Nova York. – disse rapidamente, sem quase pensar direito. Aquele foi o único lugar aceitável que passou pela minha cabeça, já que Nova York eu conheçia um pouco.
O ser sinistro mostrou um pequeno sorriso e desejou:
- Boa viagem, senhorita D’yer.
E nos segundos seguintes eu senti minha mente ficar leve, até uma sensação de enjoo me incomodar. Meu corpo pareceu ser sugado, à medida que uma pressão forte espremia-me da cabeça aos pés. O mundo pareceu virar de cabeça para baixo e em questão de poucos segundos eu já estava em um outro local totalmente diferente. Estava em meio aos trilhos do metrô, parecendo ter sido colocada ali propositalmente. Não houve nem tempo para eu xingar os dois que haviam ficado em Las Vegas, a luz aparecia naquele túnel, os trilhos passaram a vibrar, o som claro do metrô invadiu meus tímpanos. Ele estava se aproximando, eu precisava sair dali.
Corri, tentando impulsionar meu corpo para cima e me livrar do perigo, mas meu corpo estava castigado demais, sem forças... O coração acelerava à medida que o metrô se aproximava e eu tentava buscar forças para subir, mas parecia inútil... Eu realmente vi a face morte, Luciene estava prestes a vencer e eu já estava sem esperanças. O gigante de metal estava a poucos metros de distância, logo me alcançaria, eu paralisei. Até que alguém me puxou com toda a força, fazendo com que gritasse de dor e susto, mas conseguindo me livrar do perigo. Segura, olhei seus olhos e com uma voz trêmula agradeci:
- O-obrigada.
Não houve nenhuma palavra da parte dele. O rapaz apenas deu as costas e partiu. Deixando-me sozinha, da maneira que permaneceria por longos meses, talvez até anos, ou... a vida inteira.
Não era somente a costela quebrada que me incomodava, o pulso quebrado e o pé luxado também. O pulso me impediria durante três meses de fazer movimentos bruscos. Eu estava muito machucada, mas não era nada se comparada com toda a confusão que permanecia a bagunçar minha mente. Durante todos esses dias evitei ao máximo Luciene, apesar dela insistir muitas vezes em aparecer. Mas naquele dia não teve como ignorá-la.
Eu respirava com dificuldades enquanto tomava o reforçado café da manhã, que ainda era turbinado com alguns comprimidos de analgésicos, tomava uns 3 a cada 12 horas. Só assim melhorava a dor e eu conseguia dormir um pouco. Luciene apareceu em um vestido rosado, com seus olhos penetrantes e intimidadores. Naquele dia não houve escapatória, após muito tempo não houve mais como evitar aquela vampira.
- Já te disse que não é bem vinda em meu apartamento. – rosnei, deixando clara minha insatisfação. Se ela fosse inteligente e eu ríspida o suficiente, talvez me deixasse em paz, mas a ruiva era muito mais insistente do que eu podia imaginar.
Ela chegou quase desfilando em sua passarela macabra imaginária, seu quadril gingava e ela aparecia em uma postura triunfante, encarando-me com seus olhos brilhantes e monstruosos. O sorriso perverso era discretamente mostrado no canto esquerdo de seus lábios. Até se pronunciar com sua voz serena e sombria:
- Você sabe que ainda temos muito para falar... – ela disse, parando diante à mim, de pé de frente a cama, olhando-me fixamente enquanto cruzava seus braços e erguia sua cabeça de modo ufano.
- Eu te mostrei que nem tudo é contos de fadas, garotinha.
A minha paciência se esvaiu em poucos segundos. A colher que eu adoçava meu suco de laranja foi empurrada de qualquer maneria, derramando o copo de suco, fazendo com que eu sujasse tanto bandeja quanto os lençóis que estavam sobre mim naquela cama. Cerrei completamente meu cenho, deixando claro que o tempo ali tinha fechado por completo.
- Que tipo de doença você tem? Mal chegou e já mostrou essa sua postura lunática. Eu não quero que você me mostre nada, eu continuaria vivendo muito bem sem sua intromissão desprezível. – liberei toda minha fúria em palavras ferozes, sentindo o sangue quente pulsar sob minha veias e encarando a vampira intrometida. Ela não mudava sua expressão arrogante e irritante. Suspirou frivolamente, respondendo-me.
- Você continuaria vivendo uma mentira e tenho certeza que se tivesse escolha, voltaria a vive-la. Covardes são assim. Mas eu não estou aqui para te proteger e nem fazer algo para seu bem, pelo contrário, eu quero resgatar a sanidade de Érebus. Você faz mal a ele.
Seus olhos e toda raiva em sua voz seca transmitiam a verdade amarga daquelas palavras. Eu não pensei em duvidar, por isso engoli em seco aquele seu momento claro de honestidade. Um nó sufocante formou-se em minha garganta, o estômago contraiu-se graça ao nervosismo e a decepção instantânea, o coração acelerou levemente e as lágrimas salgadas surgiram como uma tempestade incontrolável e destruidora. Senti toda a vergonha e derrota por estar chorando na frente de uma inimiga declarada, mas a angústia de receber a verdade de uma maneira repentina e sem misericórdia era mais forte que meu orgulho.
A força para pronunciar qualquer palavra esvaiu-se, a curiosidade ardia forte em meu peito, mas o meu desalento repentino sugava todo resquício de energia. Eu estava acabada e ela percebeu, aproveitando para continuar despejando toda a realidade cruciante.
- Você fez com que ele escondesse sua real natureza, pôs em risco sua vida. Assistiu toda sua vitalidade murchar pouco a pouco e sem fazer nada. Preferiu o que? Acreditar que era apenas uma doença comum? Você sabia, eu tenho certeza que sabia que ele era diferente, assim como nós. – ela continuou, confundindo ainda mais minha cabeça já bagunçada. Com aquelas palavras a culpa me martirizou ainda mais. Eu de alguma forma sabia que meu tutor não era alguém comum, eu preferia acreditar e lutar para que ele se curasse de alguma doença qualquer, não enxergava sua real situação e da maneira que Luciene falava, fazia com que eu mesma duvidasse se eu preferia pensar assim.
Em um momento repentino de energia revigorada, lancei o copo vazio contra aquela mulher. Esbravejando, gritando, libertando minha agonia, tentando convencer a mim mesma de que suas acusações contra mim eram infames.
- Você não sabe de nada. Eu nunca faria mal a ele. Eu devo muito a ele.
A ruiva esquivou-se com facilidade, o que era bem fácil de se esperar, afinal, tinha reflexos muito mais aguçados que qualquer ser humano. O copo de vidro espatifou-se em mil pedaços ao se chocar contra a parede atrás dela. E eu nem tive a oportunidade de falar mais nada. Aquela vampira saltou sobre mim com sua velocidade absurda e quando percebi, ela já estava tampando minha boca. Sua força era impressionante, aquele corpo parecia a ponto de esmagar meus ossos, além de dificultar minha capacidade de respirar. Olhei para seus olhos claros que ganharam um círculo rubro ao redor de sua íris.
- Você deve sim. Deve a vida, mas não pode continuar a mantê-lo prisioneiro. Ele tem que voltar a ser o que era, mas por você renega sua própria natureza. Você precisa decidir deixa-lo, isso se o ama de verdade, se é realmente grata.
Eu sentia as batidas de meu próprio coração pulsando na mão fria daquela mulher que estava quase a me sufocar para me manter em silêncio. Eu queria tentar me defender de algum modo, mas estava super abalada e dominada pela dor, aquele corpo pressionando meus ossos fazia me lembrar de maneira lancinante a minha costela quebrada. Luciene parecia me torturar de propósito. E continuava suas palavras, enquanto eu, sem força alguma, tentava estapear sua mão para me livrar dela.
- Ele decidiu te proteger a todo custo. Enxerga você como sua maior responsabilidade, mas permitiu que você se tornasse também seu maior peso. O que você acha que é? É uma completa inútil, que precisa ser protegida e mimada 24 horas por dia. É uma criança digna de pena. Se ainda carrega um pedaço mínimo de dignidade, deveria partir, ou arranjará outra maneira de colocar em risco a vida dele.
Eu soltava gritos abafados, já não aguentava mais ouvir palavras tão duras. Ela precisava parar. Suas palavras ferinas provocavam ferimentos profundos em minha alma já devastada, mas ela mostrava claramente que não tinha intenção nenhuma de cessar com sua tortura psicológica e aquilo já estava me irritando ao ponto de me fazer perder o controle.
Passei a sentir uma sensação que reconhecia muito bem, apesar de tê-la sentido apenas uma única vez em toda minha vida.
- Mostre que o ama, seja corajosa, vá embora.
Aquela ruiva insistia, fazendo-me recordar que meu maior medo era de um dia me afastar de Érebus. Nunca gostei de imaginar isso e apenas cogitar a possibilidade já me fazia perder o controle. Uma corrente estranha passou a vibrar em meu corpo e eu ouvia as vozes mais profundas martelarem em minha cabeça. Estava acontecendo de novo, as sombras estavam prestes a se libertar.
Luciene abaixou sua mão, começando a me encarar estranhamente.
- O que você tem? – perguntou ela, parecendo preocupada pela primeira vez.
Vidrada em seus olhos, eu respondi, agora era minha vez de pronunciar algo em um tom seco e sombrio, capaz de arrepiar qualquer criatura com o mínimo de inteligência.
- Vontade de te fazer sofrer...
Prendi meus olhos na sombra da vampira e as vozes ao meu redor tornaram-se ainda mais altas e revoltas. Luciene prendeu sua respiração em um único inspirar. Ela pareceu paralisar ali mesmo, na minha frente. Até as formas humanoides surgirem com uma ferocidade ainda maior do que da primeira vez. Suas vozes eram monstruosas, rebeldes, pareciam demoníacas. A força delas parecia ainda maior, pois arrastaram a vampira paralisada para fora de minha cama. A ruiva continuava sem se mover, atônita, incapaz de gritar, parecia surpresa demais. E então os ferimentos começaram, enquanto isso eu me levantava, esquecendo qualquer tipo de dor. Apenas disposta a apreciar de pé o sofrimento daquela maldita.
Como eu me lembrava, as sombras encurralavam a mulher, atormentando-a, começando a fazer pequenos cortes por todo seu corpo. Luciene não gritava, e sua regeneração vampírica a curava dos ferimentos superficiais, mas nem assim desistia. Aumentava meu ódio, minha vontade de vê-la sofrer, abria cada vez mais o portal para que as criaturas perversas atravessassem. Elas representavam todas minhas vontades mais macabras e sanguinárias, poderiam ser consideradas as partes mais obscuras que eu permitia que viajasse pelas dimensões quando a fúria havia se tornado incontrolável. Mas contra aquela vampira pareceu não surtir o efeito desejado, ela foi capaz de suportar muito bem aquele meu ataque.
Para mim passou a ser impossível manter o ataque e eu desabei no chão, voltando a sentir todas as dores dos ferimentos, agora também misturadas à dor de mais uma derrota. Eu era incapaz de vencer Luciene. E ela fez questão de deixar isso bem claro quando me pegou pelos cabelos e me lançou com força contra a parede. Não tive nenhuma chance de defesa, apenas senti minha testa se chocar contra a parede maciça e depois meu corpo foi ao chão, fazendo-me gemer. As dores de meus ferimentos pareceram triplicar, tornando-me incapaz de me levantar.
A vampira apareceu ao meu lado, olhando-me com seu círculo rubro ao redor da íris. Poderia me chutar, agarrar-me novamente pelos cabelos, mas não, ficou de pé, como se quisesse mostrar toda sua soberania sobre mim. Enquanto isso eu permanecia derrubada no chão, na dúvida se deveria tentar me levantar ou não, temia mexer um só músculo e desencadear uma dor insuportável.
- Vá embora, garota. Eu sei que de alguma forma você o ama, chegou a hora de você protege-lo e o maior perigo para o Cain é você. – ela disse, naquele momento calma.
- Quem é Cain? – questionei, sentindo, além de tudo, a tontura pela pancada.
- Cain Hergreaves é aquele que você conhece apenas como Érebus. Viu só? Você não o conhece... Vou te deixar decidindo o que fazer. Aproveite que ele saiu em uma pequena viagem e só volta no fim da noite. Recolha tudo, e não esqueça... – ela abaixou e sussurrou em meu ouvido:
- Você não deve deixar rastros, ele irá e procurar até no inferno. – depois disso Luciene caminhou até a saída. O som de seus saltos ecoaram em minha cabeça, misturando-se com todas suas palavras ditas até aquele momento. Eu não queria ir, não podia aceitar a ideia de viver a vida longe de... Cain. Mas sabia que por mais que fosse perversa, Luciene estava certa ao afirmar que eu era um risco para ele se continuasse ao seu lado.
Com lágrimas nos olhos e sofrendo por todas as minhas dores, eu fiz força para erguer meu corpo. Ajoelhei-me sobre o carpete negro e ironicamente quando ergui meus olhos a primeira coisa que vi foi uma foto de Érebus. Aquilo serviu para que eu tomasse minha decisão. Eu tinha certeza que não seria capaz de viver feliz afastada daquele que amava, mas não conseguiria sobreviver sabendo que colocava em risco sua vida. Eu precisa ir embora, para sempre.
Arrastei-me até aquele porta-retrato, não tinha a capacidade de me levantar sem nenhum apoio. Ao me aproximar da cômodo, a usei como auxílio para me erguer, mas nem assim foi fácil. Parecia que eu tinha quebrado mais alguma coisa e por mais que eu estivesse arrasada, a dor foi suficientemente forte para que eu focasse nela.
Com dificuldade e ainda derramando minhas lágrimas, arranquei o retrato da pequena moldura, levando-o até meu rosto, tocando-o delicadamente com meus lábios trêmulos.
- É o melhor. Eu preciso ir. Agora é a minha vez de me sacrificar. O irônico e triste é que só agora entendi esse verdadeiro sentimento... – falei baixo, em meio a pequenos soluços. Estava experimentando a pior dor de toda minha vida, mas ao mesmo tempo, após tantos anos, eu compreendia o que sentia por Érebus e essa certeza só me deu mais coragem de partir, pois o amor verdadeiro envolve sacrifícios.
Fiquei com a foto na mão, eu a levaria comigo para onde quer que fosse, seria uma das poucas coisas que carregaria. Depois disso andei escorando-me pelas paredes indo até o closet, pegando uma simples mochila jeans, enfiando poucas roupas em seu interior, alguns itens de higiene e meu grimório, aquele que nunca abandonaria. O próximo passo foi recolher o dinheiro que tinha em casa, não era muito, pois tinha feito um depósito anteriormente. Mas era o que eu tinha e nem sequer pensei em levar cartões, facilmente seria rastreada. Eu não sabia para onde ir, não tinha quase nenhum lugar que poderia considerar familiar. Nem muitos conhecidos eu tinha, mas os poucos que havia conhecido e que havia me deixado alguma forma de contato, eu guardei na memória seus nomes e na mochila seus cartões e números de telefone.
Pronto! Eu estava preparada para partir. Dei uma ultima olhada em meu apartamento, sentindo o coração pesar após lembrar de tantos momentos que havia vivido ali. Era o local mais seguro do mundo. As lamúrias de tristeza das vozes das sombras começaram, aumentando ainda mais meu sofrimento. Não sabia quem ali poderia me acompanhar, talvez nenhum deles. Era como se eu tivesse me despedindo de amigos de longa data, era assim que eu via os espíritos que habitavam meu lar. Alguns eram irritantes e chatos, mas eu acabara por me acostumar com eles e deixa-los era difícil, mas não houve mais como voltar atrás.
Com imenso esforço sai do apartamento, fechando a porta e seguindo até o quarto de Luciene. Eu não sabia como ir para outro lugar. Ainda era menor, não podia pegar um avião nem um ônibus. Se ela quisesse me ver longe, teria que dar um jeito, e ela já tinha pensado nisso.
Ao entrar no quarto de Luciene, percebi uma figura estranha que permanecia de pé ao seu lado. Era alto, esguio e ainda mais pálido que ela. Seus olhos eram tão claros e brilhantes que chegavam a ser assustadores e os cabelos longos e negros lhe davam um aspecto ainda mais sinistro.
- Já decidiu para onde ir, franguinha? – ela perguntou com toda sua ironia, fazendo com que eu a olhasse com mais fúria ainda.
- Esse é o Taylor, ele irá te teletransportar para onde você quiser. Mas eu realmente não quero saber para onde você irá, assim não mentirei quando Cain perguntar, então irei sair. E... Faça um favor... - ela caminhou até a mim, para falar olhando em meus olhos:
- Morra antes dele te encontrar... – e depois disso saiu, deixando-me sozinha com o cara sinistro que já me encarava insistentemente. Ele apenas com o olhar já deixava claro que eu precisava decidir logo para onde iria.
- Estação de Metrô de Nova York. – disse rapidamente, sem quase pensar direito. Aquele foi o único lugar aceitável que passou pela minha cabeça, já que Nova York eu conheçia um pouco.
O ser sinistro mostrou um pequeno sorriso e desejou:
- Boa viagem, senhorita D’yer.
E nos segundos seguintes eu senti minha mente ficar leve, até uma sensação de enjoo me incomodar. Meu corpo pareceu ser sugado, à medida que uma pressão forte espremia-me da cabeça aos pés. O mundo pareceu virar de cabeça para baixo e em questão de poucos segundos eu já estava em um outro local totalmente diferente. Estava em meio aos trilhos do metrô, parecendo ter sido colocada ali propositalmente. Não houve nem tempo para eu xingar os dois que haviam ficado em Las Vegas, a luz aparecia naquele túnel, os trilhos passaram a vibrar, o som claro do metrô invadiu meus tímpanos. Ele estava se aproximando, eu precisava sair dali.
Corri, tentando impulsionar meu corpo para cima e me livrar do perigo, mas meu corpo estava castigado demais, sem forças... O coração acelerava à medida que o metrô se aproximava e eu tentava buscar forças para subir, mas parecia inútil... Eu realmente vi a face morte, Luciene estava prestes a vencer e eu já estava sem esperanças. O gigante de metal estava a poucos metros de distância, logo me alcançaria, eu paralisei. Até que alguém me puxou com toda a força, fazendo com que gritasse de dor e susto, mas conseguindo me livrar do perigo. Segura, olhei seus olhos e com uma voz trêmula agradeci:
- O-obrigada.
Não houve nenhuma palavra da parte dele. O rapaz apenas deu as costas e partiu. Deixando-me sozinha, da maneira que permaneceria por longos meses, talvez até anos, ou... a vida inteira.
PÁGINAS 70 À 80
Lana D'yer Elrien- Mensagens : 98
Ficha X
Level : 1
Grupos de Poder: Alteração de Realidade
Dinheiro: $400
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